Rio de Janeiro torna-se polo mundial na manutenção de motores de avião com nova planta de R$ 430 milhões
A cidade do Rio de Janeiro está consolidando sua posição como um centro global para a manutenção de motores aeronáuticos, com a GE Aerospace liderando esse movimento. Apesar de aviões da companhia aérea europeia Ryanair não operarem no Brasil, os motores dessas aeronaves são enviados para manutenção na cidade de Petrópolis, localizada na região serrana do estado, onde a empresa possui oficinas especializadas.
Atualmente, a GE Celma, unidade da GE Aerospace no Rio, realiza manutenção em aproximadamente 600 motores ao ano. Com o investimento de R$ 430 milhões, está em construção uma nova fábrica em Três Rios, também no Rio de Janeiro, a cerca de 70 km de Petrópolis, que tem previsão de funcionamento para o início de 2026 e dobrará a capacidade atual da GE no país.
Julio Talon, presidente da GE Aerospace no Brasil, afirmou que a expectativa é ampliar a operação em Três Rios para a manutenção de 300 motores por ano até 2028, podendo chegar a 500 motores na próxima década. Isso significaria que a GE Celma teria a capacidade de revisar cerca de 1.000 motores anualmente.
História e evolução da GE Celma
Fundada em 1951 como uma fábrica de ventiladores chamada Celma, a unidade localizada em Petrópolis passou ao longo dos anos a focar na manutenção de motores aeronáuticos, inicialmente atendendo a companhia aérea Pan Am do Brasil. Em 1965, foi estatizada pelo governo militar e, posteriormente, privatizada em 1991 no governo de Fernando Collor. Desde 1996, a GE detém o controle total da oficina.
O mercado de reparo de motores de avião gera bilhões de dólares em receita. Em 2024, a GE globalmente faturou cerca de US$ 35 bilhões, sendo que 70% dessa receita advém da manutenção de motores. A unidade brasileira responde por 25% dessa demanda mundial. Atualmente, a GE administra 49.000 motores em operação na aviação comercial e outros 29.000 em aeronaves militares.
Modelo de negócios e novas tecnologias
Um aspecto particular do modelo da GE é a venda dos motores a preço de custo ou até mesmo abaixo dele para fabricantes de aviões como Airbus e Boeing, com a previsão de que a empresa obtenha retorno financeiro principalmente com a manutenção ao longo dos anos seguintes. Um motor a jato novo pode custar cerca de US$ 14 milhões.
Luiz Froes, vice-presidente de Relações Governamentais da GE Aerospace para a América Latina, explicou que a margem de lucro da empresa acontece principalmente a partir do quarto ao sexto ano, quando inicia-se o ciclo de manutenção dos motores.
Nas últimas temporadas, a venda de novos modelos de motor cresceu de forma expressiva, impulsionada pela substituição de motores mais antigos por equipamentos mais eficientes e menos poluentes, como o modelo LEAP. Essa renovação é motivada pela economia de combustível e por regulamentos ambientais rigorosos, especialmente na Europa, podendo reduzir o consumo de energia em até 15% em relação aos anteriores.
Vantagens competitivas do Rio de Janeiro para o mercado aeronáutico
O Rio de Janeiro tem se destacado globalmente devido a alguns fatores competitivos importantes. A desvalorização do real frente ao dólar contribui para redução de custos, já que os preços do setor são majoritariamente cotados na moeda norte-americana. Além disso, a unidade oferece alta agilidade na entrega dos motores reparados, com prazos médios de apenas 90 dias para reparos completos, o que representa um diferencial para as companhias aéreas, que perdem receita a cada dia que seus aviões ficam fora de operação.
Julio Talon ressaltou que a verticalização da produção permite que cerca de 90% das peças sejam consertadas localmente, eliminando a necessidade de encaminhá-las para oficinas internacionais. Essa autonomia contribui para a competitividade da unidade tanto em custo quanto em tempo de entrega, posicionando o Rio de Janeiro entre as oficinas de motores mais rápidas do mundo.
Dos motores que passam pelo serviço no Rio, 95% são importados, atendendo aproximadamente 30 clientes globais como American Airlines, Ryanair, Atlas Cargo, e também as principais companhias brasileiras Azul, Gol e Latam.
O processo de manutenção envolve a desmontagem total do motor, com inspeção minuciosa de cada peça; as partes em boas condições são reaproveitadas, enquanto as danificadas são substituídas. Considerando que um motor possui milhares de componentes, esse trabalho é fundamental para garantir a segurança dos voos, levando em conta que os motores podem atingir até 14 mil rotações por minuto e temperaturas acima de 700°C. Após o conserto, os motores são submetidos a testes rigorosos que simulam todas as fases do voo antes de serem liberados para uso.
Além das oficinas, a GE mantém uma área para testes de motores no Aeroporto do Galeão. A maior parte dos motores chega ao Brasil pelo Aeroporto de Viracopos, em Campinas, para então serem transportados por estrada até Petrópolis em caminhões com suspensão especial para evitar danos causados pelos solavancos.
Quanto às tarifas dos Estados Unidos sobre produtos importados, o setor aeronáutico recebeu uma exceção, com uma taxa reduzida de 10%. Como a empresa atua em serviços e não em produtos, o impacto direto foi mínimo, segundo Luiz Froes.
Formação e contratação de profissionais para o futuro
A GE Celma não divulgou o número exato de empregos que serão gerados com a nova planta, mas historicamente contrata entre 400 a 500 colaboradores por ano. Um importante canal de recrutamento é a parceria com o Senai, que já dura 20 anos e forma técnicos que realizam treinamentos práticos dentro das instalações da empresa.
Além dos jovens aprendizes, a empresa tem incentivado a contratação de profissionais mais experientes, com estagiários chegando a 35, 40 e até 50 anos que são efetivados após o programa de treinamento.
Para o futuro, a GE planeja crescer suas operações no Rio de Janeiro, aproveitando as vantagens logísticas da região. Porém, a fabricação completa de motores no Brasil não está nos planos, devido à alta tecnologia e informações confidenciais envolvidas na produção dessas peças estratégicas. Luiz Froes explica que, assim como a fórmula da Coca-Cola, certas tecnologias são mantidas nos Estados Unidos para proteger segredos industriais e evitar a transferência de conhecimento sensível.
O repórter viajou a convite da GE Aerospace.