Sessões 24/7: Solução Ou Risco? Entenda Por Que Bolsas Estão Considerando Estender Horário de Pregão
Enquanto o mercado de criptomoedas já opera ininterruptamente desde sua criação, as bolsas mais tradicionais avançam lentamente rumo ao funcionamento contínuo.
Desde 2009, o mercado cripto mantém suas operações 24 horas por dia, sete dias por semana. Essa disponibilidade constante é valorizada por muitos investidores em um mundo cada vez mais rápido e interconectado, pois permite reagir a eventos que acontecem fora do expediente convencional das bolsas.
Um exemplo claro desse desafio ocorreu em 2020, após o Carnaval. Com a B3 fechada pelo feriado prolongado, os mercados globais refletiam o agravamento da pandemia da covid-19. Quando o pregão reabriu na quarta-feira de cinzas, o Ibovespa sofreu uma queda de 7%, seu pior desempenho desde o chamado Joesley Day.
A capacidade de responder em tempo real a acontecimentos é vista como um grande benefício, o que leva mercados tradicionais a considerarem a adoção de pregões 24 horas.
No começo deste ano, a Nasdaq entrou com pedido na Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) para operar 24 horas durante cinco dias da semana, buscando atender o aumento de 97% no número de investidores estrangeiros entre 2017 e 2024. Outras instituições, como a Chicago Board Options Exchange (CBOE), também avançam nessa direção, e a New York Stock Exchange (NYSE) já recebeu autorização, embora ainda não tenha implementado o funcionamento estendido.
Entretanto, nem todos os atores do mercado aprovam essa mudança. Alguns temem a diminuição da liquidez em determinados períodos. Por outro lado, os defensores alegam que a ampliação provocaria maior fluxo financeiro e democratizaria o acesso.
Razões Por Trás da Evolução do Horário de Funcionamento
O professor da Universidade Mackenzie, Maurício Takahashi, compara o mercado 24/7 a uma “Wall Street que nunca dorme, similar a Las Vegas com luzes sempre acesas e máquinas em funcionamento constante”. Para Roberto Dagnoni, CEO do Mercado Bitcoin, trata-se de uma forma de proporcionar autonomia e flexibilidade aos investidores, algo já consolidado no universo cripto.
Dagnoni destaca que o setor de criptomoedas demonstrou ser viável manter liquidez contínua, liquidações imediatas e acesso global, combinando inovação tecnológica com segurança e governança eficazes. Além disso, bolsas digitais de apostas, mercados futuros, câmbio via plataformas eletrônicas internacionais e sistemas de negociação noturna (ATS), além de corretoras como Interactive Brokers e Robinhood, já operam com essas condições.
Influenciadas por essa dinâmica, as bolsas de valores tradicionais têm reconhecido a demanda por horários mais flexíveis para negociação. Ricardo Hammoud, professor da FGV, observa que, no mundo digitalizado e globalizado, onde diversos participantes internacionais atuam, atender a diferentes fusos horários torna-se essencial.
Takahashi ainda ressalta que abraçar essa expansão será um diferencial competitivo, atraindo fluxo para quem oferecer uma janela estendida, iniciando gradualmente com ETFs e ações blue chips, cujo mercado é mais estável e oferece liquidez suficiente.
A World Federation of Exchanges (WFE) complementa que implementar pregões 24 horas exige uma mudança ampla envolvendo sistemas, pessoal, governança e coordenação do funcionamento do mercado como um todo.
Argumentos Favoráveis ao Funcionamento Estendido
Henrique Lara, sócio e gestor de renda variável da Reach Capital, aponta que um horário ininterrupto permitiria ajustar posições conforme o fuso local, reduzindo riscos entre o fechamento e a abertura dos mercados, como evidenciado no exemplo do Carnaval de 2020.
Além disso, eventos que ocorrem fora do horário convencional seriam refletidos com maior rapidez nos preços, trazendo convergência com mercados de câmbio, futuros e cripto, além de estimular a competitividade do setor. Lara observa também que essa flexibilidade transportaria volumes hoje negociados em plataformas paralelas para ambientes regulados.
Para Dagnoni, operar em um mercado completamente global torna a formação de preços mais dinâmica e transparente, pois reflete a soma de opiniões globais e não apenas de uma região ou horário específico. Isso mantém o investidor constantemente atualizado, com liberdade para ajustar suas posições a qualquer momento.
Questões a Serem Avaliadas
Entretanto, há preocupações significativas. Contrários à ampliação alertam que baixos volumes em horários de menor fluxo podem acarretar maior volatilidade, tornando possível que grandes investidores manipulem o mercado nesses momentos. O professor Ricardo Hammoud destaca que uma maior disponibilidade também oferece mais espaço para movimentos de compra e venda incessantes, elevando esse risco.
Além disso, quanto maior o tempo de operação, maiores as chances de ciberameaças e ataques a sistemas.
A regulamentação é outro aspecto crucial. Takahashi salienta a importância de estabelecer prazos e procedimentos para compensação das operações. Dagnoni enfatiza que deve haver supervisão rigorosa para gerir o fluxo contínuo de negociações, principalmente em períodos de alta volatilidade, como após notícias relevantes ou decisões de política monetária.
Henrique Lara também reconhece que um mercado 24 horas traz complexidade operacional e aumenta o desafio de monitoramento, o que pode fragmentar o sistema financeiro internacional.
A WFE ressalta que garantir alta disponibilidade e uma rede integrada entre bolsas, corretoras e câmaras de compensação demanda investimentos substanciais em pessoal e tecnologia. Takahashi conclui que, embora a ampliação do horário seja inevitável, ela exige esforço intenso e não ocorre sem custos.



